terça-feira, junho 27, 2006

Cartas



Tempo houve, que as cartas de tal forma me atraíam, que passar muitas horas, às vezes, noites completas num jogo de pif-paf, pôquer, pontinho, era o ponto máximo de diversão da semana, do mês...até do ano.
Quando algum companheiro abandonava o jogo, surpreendia-me a "coragem", perguntava-me: Como conseguiu???
Sonhava com as cartas.
A convivência com as parceiras, depois amigas, era com certeza mais do que lúdica, um preenchimento das noites insones e... insanas.
Todavia, não éramos parceiras na bebida, no tabaco.
Nunca fumei, não gosto de bebida alcoólica.
Esses elementos foram fator determinante para afastar-me das cartas.
Lembro, com uma vaga sensação de perda, a delícia de abrir devagarinho as cartas, de correr os olhos na mesa, de ganhar, de perder, de jogar.
Lembro com muita saudade dos parceiros, dos amigos.
E hoje, nessa noite tão fria, deu-me uma vontade imensa de estar novamente com todos...e as cartas.
Doutor Cid sentava-se sempre ao meu lado.
Não fumávamos.
Procurávamos um ar mais puro.
Saudade.
Do outro lado, Irene, sua esposa e minha amiga querida, sorria , cúmplice de nossos segredos.
Nós sabíamos cada movimento , cada carta, éramos muito amigos.
Ele com quase setenta anos, na época entendia bem demais a quase menina de trinta e cinco anos que sentava-se ao seu lado.
Aprendi muito com ele, com Irene.
Lembro de Nazy, sagaz...demais talvez.
De Zita, que jogava com uma elegância ímpar.
Dete, italiana barulhenta, que brincava e brigava com as cartas.
Anfitriã das cucas maravilhosas da madrugada.
Lembro de todas.
Geni, tão arrojada. Inês, desconfiada, tímida, cozinheira sem igual. Disseram-me que Teresa está muito doente.Tão vaidosa e cheia de si, tão delicada e feminina.
Dona Marieta, de todos nós, a mais velha, uma lição de como ser distinta, educada, na derrota, na vitória.
Seu Pedro, que jogava brincando de ser feliz.
Seu Artemio, nosso "Roberto Carlos".
Dr Arnaldo, Seu Arno, Dr Sérgio (esse me chamava de bruxa), saudades! Tia Irma retirou-se do jogo, logo que conheceu um novo amor.
Dona Terezinha, uma lady.
Para todos, era eu, uma menina.
Para mim, são todos parte de minha vida, do aprendizado das cartas.
Alguns já partiram. Outros ainda por aqui, se reúnem de quando em vez e continuam no jogo.
Eu, morrendo de saudade de todos, queria nesta noite uma mesa redonda, a expectativa feliz das cartas, as novidades, o carinho, a boa comida, cafézinho...e, mesmo que tivesse de respirar por uma fresta de fumaça, a sensação inesquecível do jogo que não jogo mais,
agora que jogo com a vida.

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