quinta-feira, abril 03, 2008

Caminhar demanda tempo.


Caminhar demanda tempo

“No es igual quién anda e quién camina”. Lembro-me desse verso de Joan Manoel Serrat porque tenho caminhado pouco. Andado muito, que o mundo exige. E quem não caminha, apenas olha. Ver que é bom, ver a alma de tudo pouco acontece. O olhar torna-se superficial, e quem vê a superfície não consegue atravessar as verdades prontas, os clichês, aquilo que se cristaliza como acabado. Acredito que o mundo está como está porque passamos a nos contentar com a superfície enganosa de tudo. O cerne é duro demais para nossas bocas banguelas. O que está embaixo, sob, dentro é difícil demais para nosso cérebro pequeno.Mesmo esta crônica está sendo feita com essa pressa que tanto condeno. Se eu pudesse não a escreveria, pois sinto que está me faltando ver e caminhar com mais precisão, com mais empenho nos detalhes. Por outro lado, quantos estão agora realmente lendo essas palavras e não apenas passando os olhos, vendo as fotos, enquanto engolem o café, ou algo parecido?Sei que essa é a ladainha moderna, falta tempo, falta tempo. Todos, ou quase todos, nos transformamos naquele coelho de “Alice no País das Maravilhas”. O que fazer? Como nos tornarmos pessoas menos aceleradas, mais comprometidas com a simplicidade, com o vagar sereno das coisas?No mundo que nos cerca, o que grita mais forte é o humano. As vacas, os cachorros, as árvores, as formigas e abelhas continuam as mesmas. Só o humano grita apressado, seja dentro de seus automóveis blindados, seja fora deles, seja por inveja, seja por indiferença, até mesmo por amor. Todos estamos gritando, pois nos foi tirado o caminhar acompanhado do silêncio. Aliás, o silêncio virou uma tortura. Falta-nos tanto o caminhar pleno, lento, vazio até. Aquele caminhar receptador, capaz de vislumbrar detalhes ínfimos, sementes de poesia, levezas instantâneas que passam despercebidas. Ora, isso é neurose de poeta, poderão dizer. Poetas é que ficam vendo beleza em tudo. E eu digo: pena que só restaram poetas e mais alguns tortos humanos para vislumbrar belezas. Só que até esses, ainda capazes de um caminhar real, desprovido de pressa e objetivo, até esses estão fisgados pela modernidade e seu rastelo feroz, que a todos arrasta.Já que ando lendo (mesmo sem tempo) alguns poetas latinos, apóio-me em Mario Benedetti e na voz dele também clamo: “Preciso tempo (...) tempo para olhar uma árvore, um farol / para andar pelo fio do descanso / para pensar que bom hoje não é inverno / para morrer um pouco / e nascer em seguida / e para me dar conta / e para me dar corda / preciso tempo o necessário para / chafurdar umas horas na vida (...).”

Rubens da Cunha

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