sexta-feira, agosto 31, 2007

Como de um que ouvia chuva


Lembrem de mim

como de um que ouvia a chuva.

Como quem assiste missa

Como quem hesita, mestiça,

Entre a pressa e a preguiça

Acordei bemol

Tudo estava sustenido

Sol fazia

Só não fazia sentido.




Paulo Leminski




Lembrem de mim, como quem não soube amar, mas muito amou.
Quem viu flor, olhou cor, despetalou a vida.

Nise

São Gabriel,31 de agosto de 2007.

quinta-feira, agosto 30, 2007

Pandorga


Eu soltei como pandorga ao vento , meu coração.
Dei fio, achei bonito.
Agora, não sei como volto.
Nise
São Gabriel, 30 de agosto de 2007.

quarta-feira, agosto 29, 2007

Escolha


Escolha



Eu te amo como um colibri resistente

incansável beija-flor que sou

batedora renitente de asas

viciada no mel que me dás

depois que atravesso o deserto.

Pingas na minha boca umas gotas poucas

do que nem é uma vacina.

Eu uma mulher, uma ave, uma menina

Assim chacinas o meu tempo de eremita:

quebras a bengala onde me apoiei,

rasgas minhas meias

as que vestiram meus pés

quando caminhei as areias.

Eu te amo como quem esquece tudo

diante de um beijo:

as inúmeras horas desbeijadas

os terríveis desabraços

os dolorosos desencaixes

que meu corpo sofreu longe do seu.

Elejo sempre o encontro

Ele é o ponto do crochê.

Penélope invertida

nada começo de novo

nada desmancho

nada volto

Teço um novo tecido de amor eterno

a cada olhar seu de afeto

não ligo para nada que doeu.

Só para o que deixou de doer tenho olhos.

Cega do infortúnio

pesco os peixes dos nossos encaixes

pesco as gozadas

as confissões de amor

as palavras fundas de prazer

as esculturas astecas que nos fixam

na história dos dias

Eu te amo.

De todos os nossos montes

fico com as encostas

De todas as nossas indagações

fico com as respostas

De todas as nossas destilairias

fico com as alegrias

De todos os nossos natais

fico com as bonecas

De todos os nossos cardumes

as moquecas.



Elisa Lucinda

Vil, terrível e imprescindível metal


Não nasci no campo ao acaso das sementes lançadas pelo vento ou pássaros.
Não floresço porque há sol, chuva ou solo fértil.
Não tenho a independência de esperar da natureza o alimento de cada dia.
Dependo do vil, terrível e imprescindível metal.
E, acorrentada, grito por liberdade.
Liberdade? Só para os loucos.
Ou mortos.
Nise
São Gabriel, 29 de agosto de 2007.





segunda-feira, agosto 27, 2007

Cega

Olho sem saber o que
Observo sem saber por quê
Enxergo o nada
Vejo o tudo.
Há muito me perdi nessa estrada
que dizem vida
De tanto encontrar, me perdi.
Tanto procurei que achei,
tanto quiz que não tive.
Tanto olhei
que fiquei cega.
E , cega , vejo tudo.


Nise
São Gabriel, 27 de agosto de 2007.

sexta-feira, agosto 24, 2007

Gaúcho


Ensaias teus passos de gaúcho.Vestes bombachas, calças botas, tens em teus cabelos crespos uma referência livre, uma imagem forte.
Te quero gaúcho.
Te quero feliz.
Te quero gaúcho e homem de bem.
Menino lindo, homem bonito e bom.
Vais tocando como quem toca uma carreta, no canto nostálgico do entardecer, meu coração.
Vais domando teu gênio, tuas vontades exageradas por vezes como quem precisa domar o pingo que ama.
Doma, toma.
O que é teu.
Sê.
O melhor.
Porque podes, porque és, porque tens raça.
Vovó Nise
São Gabriel, 24 de agosto de 2007.

Balanço


Não de frente pro mar, não necessáriamente num jardim, árvore.
Um balanço suspenso entre a consciência e o nada.
E como balança!
Fecho os olhos, recolho-me em posição fetal, e me embalo.
De verdade. Sinto o movimento, apresso o ritmo, lá vou eu me embalando, de embalo em embalo esquecendo de tudo que não seja embalar.
Muito gostoso, reconfortante, mágico.
Eu, dona dessa magia, eu , que aprendi a me embalar , eu posso, gosto. Só não consegui ainda te trazer para fazer-me companhia.
Acho que então, será perfeito.
Nise
São Gabriel, 24 de agosto de 2007.

terça-feira, agosto 21, 2007

Furacão


O nome já explica: Fúria
Do vento,
natureza.
Ontem visitou-me um furacão. Fúria pura e imensa.
Furacão.
Chegou, destruiu, voltou para conferir, não partiu.
Diminuiu a fúria, ainda furacão.
E faço rezas pela casa, pedindo destruição, dor, o que vier...nunca mais ausênsia.
E de novo vou perguntando e pedindo por um curativo de pomadinha de estrelas, mas o mago morreu, a magia viajou sem tempo de volta.
Nise
São Gabriel, 21 de agosto de 2007

sexta-feira, agosto 17, 2007

Agosto


Agosto , mes de aniversário de minha filha.

Agosto, mes que antecede a primavera.

Onde o inverno vem com força e impiedoso na despedida.

Mes danado.

Como nas "amarelinhas" quero pular esse restinho de agosto,

sentir novamente a primavera.

Está meu coração físicamente perfeito a agir como doente.

Uma vez, quase parou.

Especialista e conceituado doutor deu diagnóstico: Saudade

Hoje, sem especialista, sem exames, sem diagnóstico, verifico as batidas, sinto as entranhas tão estranhas para dizer-me que se morre com saúde , quando falta alma.

Volta minha alma que te cuido, acaricio, acalanto.

Te faço um mimo, especial te faço.

Volta, deixa um pouco mais eu por aqui, é grande demais a saudade, mas muito maior a vontade de cuidar , proteger e amar.

Presunção tola , mas tenho.

Sou assim.

Insuportável.

Até meu coração, disso sabe.


Nise

São Gabriel, 17 de agôsto de 2007

quarta-feira, agosto 15, 2007

Mário Pirata


...me tira do ar
me tira da prisão
me tira do molho
me tira do chão
me tira do mar
mentira tua que não me quer mais amar
me enfia tua questão
me ensina a voar
me traz tua benção
me faz delirar
me faz beber a tua água
me fala que me quer
me tira a razão
me busca com tudo o que tens para mim
me usa me liga me abuse
me procura no fundo
não fica longe de mim, poesia.
Mário Pirata

Uma menina assim


Assim, minha menina.
Na correnteza da vida
Te vejo remando, nadando, sufocando, respirando.
Uma menina assim.
O tempo te faz bem, o tempo te faz mal.
O tempo, teu parceiro do tempo.
A vida, parceria de amor.
Uma menina assim.
Aniversaria hoje.
Assim, minha menina.
Na correnteza, o remanso.
Águas claras, rasas , tépidas.
Abraço-te como, vento, brisa, garoa, tempestade...Água.
Assim minha menina.
Uma menina assim.
Para AMAR.
Mãe
São Gabriel, 15 de agosto de 2007.

Mentiras


Do bem e do mal

Todos tem seu encanto:

os santos e os corruptos.



Não há coisa na vida inteiramente má.

Tu dizes que a verdade produz frutos...

Já viste as flores que a mentira dá?



Mario Quintana; Espelho Mágico, 1945

terça-feira, agosto 14, 2007

Aparecimento


Aparecimento



Divide-se a noite, para que me apareças

e prolongues tua presença entre sonhos cortados.




Vejo o céu que ao longe caminha.

As montanhas respiram a luz das estrelas,

e, na ausênsia dos homens,

o caule do tempo sobe com felicidade.




Sobre a noite que resvala,

conservo-te imóvel entre meus olhos e a vida.

Penso todos os pensamentos,

e nenhum me auxilia.

E escuto sem querer as lágrimas

que germinam sózinhas,

e seguem sózinhas um subterrâneo curso.



Ah, meu sorriso morreu, por tristezas antigas,

Como te hei de receber em dia tão posterior?




Cecília Meireles



sexta-feira, agosto 10, 2007

Cançaõ


Canção
Nunca eu tivera querido
dizer palavra tão louca:
bateu-me o vento na boca,
e depois no teu ouvido.
Levou sómente a palavra,
deixou ficar o sentido.
O sentido está guardado
no rosto com que te miro,
neste perdido suspiro
que te segue alucinado,
no meu sorriso suspenso
como um beijo malogrado.
Nunca ninguém viu ninguém
que o amor pusesse triste.
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
Só se aquele mesmo vento
fechou teus olhos , também...
Cecília Meireles

quinta-feira, agosto 09, 2007

Realejo


Realejo
Minha vida bela,
minha vida bela,
nada mais adianta
se não há janela
para a voz que canta...
Preparei um verso
com a melhor medida:
rosto do universo
boca da minha vida.
Ah! mas nada adianta,
olhos de luar,
quando se planta
hera no mar,
nem quando se inventa
um colar sem fio,
ou se experimenta
abraçar um rio...
Alucinação
de cabeça tonta!
Tudo se desmonta
em cores e vento
e velocidade.
Tudo: coração,
olhos de luar,
noites de saudade.
Aprendi comigo.
Por isso, te digo,
minha vida bela,
nada mais adianta,
se não há janela
para a voz que canta...
Cecília Meireles

segunda-feira, agosto 06, 2007

Nostalgia


Há tamanha nostalgia


Um mal estar sem razão


Que põe a perder meu dia


Sem siquer divagação





Nise

São Gabriel, 6 de agosto de 2007.

sexta-feira, agosto 03, 2007

Nuvem





“Encostei-me a ti,




sabendo bem que eras somente onda.




Sabendo que eras nuvem,




depus a minha vida em ti.




Como sabia bem tudo isso,




e dei-me ao teu destino frágil,




fiquei sem poder chorar




quando caí.”

Epigrama no.8


Cecília Meireles

Transfusão



Transfundiram


esperança,








alegria, confiança,


beleza, ternura...








Transfundiram


até amor.








Simularam


renascimento








Cantaram


canções de ninar








Veias rasgadas,


não aceitou meu coração


Transfusão











Não permitiu


se enganar








E as canções


mandou ao mar


Bendito e profundo


sem mais histórias


pra contar.








Segredo.

Nise

São Gabriel, 3 de agosto de 2007.

Advertência


Não ouvi um pedido

Não ouvi advertências

Ignorei a experiência

Supliquei tua presença.



A voz do amor , sussurrou

Falou com certeza ,

Minha infeliz cabeça

Perdeu o senso, razão

Quando a saudade gritou

Corria estrada meu coração


Nise
São Gabriel, 3 de agosto de 2007